A degradação costeira e seus impactos nas cidades brasileiras

24/03/2025


Atualizado em 24/03/2025  |  por Equipe OICS

O Brasil tem uma das maiores faixas litorâneas do mundo, com mais de 7 mil quilômetros de costa. Nela, se espalham grandes cidades, comunidades pesqueiras e ecossistemas essenciais. Mas, ao mesmo tempo em que o mar sempre foi fonte de vida e sustento, ele também se tornou palco de um problema crescente: a degradação costeira. A erosão das praias, a poluição, o avanço desordenado da urbanização e o aumento do nível do mar não afetam apenas o meio ambiente. Eles ameaçam a infraestrutura, a economia e a vida das pessoas que vivem à beira-mar.

Erosão

A erosão litorânea talvez seja um dos impactos mais visíveis. Em cidades como São Luís (MA), Recife (PE) e Santos (SP), por exemplo, o mar avança e engole faixas de areia que antes eram largas e movimentadas. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Recife ocupa a 16ª posição no ranking global das cidades mais vulneráveis ao aumento do nível do mar.

O turismo sofre, a economia sente o impacto, e a proximidade da água expõe áreas urbanas ao risco de alagamentos e danos estruturais. Mas o problema não acontece do nada: a impermeabilização do solo, o desmatamento de vegetação nativa e a ocupação desordenada fazem com que praias e manguezais percam sua capacidade natural de conter a força das marés e das tempestades. 

O oceanógrafo Bruno Piana, mestre em Geologia, explica que a erosão está diretamente ligada à ação humana. Segundo o especialista, o desmatamento de matas ciliares, a construção de barragens, dragagens e obras portuárias interferem no transporte natural de sedimentos. Ele aponta que a exploração de areias litorâneas e a ocupação de dunas tornam as regiões costeiras ainda mais frágeis. "A destruição dos ecossistemas costeiros acelera o recuo do litoral e dificulta qualquer tentativa de estabilizar essas áreas", explica.

O avanço dessa degradação costeira pode ser visto em números preocupantes. Um levantamento do Programa de Geologia e Geofísica Marinha, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), revelou que processos como erosão e acúmulo de sedimentos já afetam cerca de 60% do litoral brasileiro. Em 2003 esse percentual era de 40%. 

Poluição 

Mas a erosão não é o único problema. A poluição dos oceanos, que inclui o despejo inadequado de resíduos sólidos e esgoto sem tratamento, ameaça a biodiversidade marinha e a saúde pública. O contato com água contaminada impacta diretamente a pesca, uma atividade essencial para milhares de famílias. Isso pode resultar na perda de empregos e na redução da renda das comunidades litorâneas. 

Outro fator preocupante é o aumento do risco de doenças e problemas de saúde pública, já que a poluição marinha e o alagamento de áreas urbanas favorecem a proliferação de doenças de veiculação hídrica, afetando principalmente populações vulneráveis. 

A infraestrutura e os serviços urbanos também são prejudicados, pois estradas, redes de esgoto e fornecimento de água podem ser comprometidos pela intrusão salina e pela ação destrutiva das marés. Ainda, a urbanização desordenada e a ocupação irregular de áreas de risco ampliam a exposição das comunidades costeiras a desastres ambientais. 

A vulnerabilidade costeira gera impactos sociais significativos, como destaca o engenheiro agrícola e ambiental Rafael Dias em seu texto “VULNERABILIDADE COSTEIRA: O que é e como gerenciar”. Ele afirma que a falta de medidas adequadas para mitigar a degradação das áreas litorâneas pode comprometer seriamente a qualidade de vida das populações costeiras. A destruição de casas por alagamentos, erosão ou deslizamentos de terra força muitas famílias a abandonarem suas residências, criando cenários de refugiados ambientais. 

Soluções

Diante desse cenário, algumas cidades vêm apostando em soluções para conter a degradação costeira. 

Em Fortaleza (CE), projetos de engordamento de praias, aliados à recuperação de dunas e manguezais, têm ajudado a reduzir o impacto da erosão. A engorda da Praia de Iracema, por exemplo, foi realizada em duas etapas, com a última intervenção ocorrendo em 2019, aumentando a faixa de areia em até 120 metros mar adentro. Essas obras visam não apenas proteger a costa contra a erosão, mas também revitalizar a orla, promovendo o turismo e a economia local.

Já no litoral paulista, um sistema de monitoramento das marés e do nível do mar permite prever inundações e adotar medidas para evitar possíveis danos. O Sistema de Alerta de Ressacas e Inundações Costeiras (Saric), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) e financiado pela Fapesp, é um sistema é capaz de antecipar em até 4 dias o risco de ressacas e inundações costeira, permitindo que medidas preventivas sejam tomadas. 

Renaturalização de margens de lagoas costeiras urbanas

Essa é uma solução baseada na natureza que contribui para a preservação, recuperação e conservação desses ecossistemas. Essas infraestruturas ecológicas melhoram a qualidade ambiental da lagoa por meio de bacias de sedimentação, que reduzem o assoreamento ao reter sólidos suspensos, e áreas alagáveis com plantas nativas, que filtram a água e tratam os efluentes. 

Além de prevenir a eutrofização e melhorar a biodiversidade local, os parques lagunares aumentam a resiliência urbana, ajudando na adaptação climática ao absorver águas pluviais, moderar temperaturas e capturar carbono. Em períodos secos, essas áreas podem ser aproveitadas para lazer e esportes, com espaços como ciclovias, quadras e pistas de caminhada.

O Parque Orla de Piratininga (POP), em Niterói, por exemplo, é um projeto que busca recuperar a Lagoa de Piratininga por meio dessa solução, com alagados construídos para tratamento das águas e prevenção da eutrofização. Com 685 mil m², a iniciativa faz parte do Programa Niterói PROSustentável e tem como objetivo aumentar a resiliência urbana, promover a sustentabilidade e melhorar a qualidade de vida da população. A proposta inclui infraestrutura verde multifuncional, contribuindo para a adaptação climática e a restauração ecológica da região lagunar.

A Lagoa de Piratininga sofre com poluição difusa, assoreamento e ocupação desordenada, resultado da expansão urbana sem planejamento. Além da recuperação ambiental, o projeto enfrenta desafios como mobilidade sustentável, acesso à água limpa e inclusão social. Para ser plenamente implantado, o POP ainda demanda novos investimentos, integrando políticas urbanas para garantir a revitalização sustentável do ecossistema lagunar e de seu entorno.

Conservação e recuperação de ecossistemas costeiros e estuarinos

A conservação e recuperação de ecossistemas costeiros e estuarinos, como mangues e restingas, combate a erosão costeira, protege estuários e aumenta a resiliência das cidades litorâneas às mudanças climáticas. Isso envolve um plano de manejo com estratégias, objetivos e ações específicas, como a recuperação de espécies vegetais, cercamento de áreas, limpeza da praia e da vegetação, e a proteção de ninhos de aves. 

Em Tamoios, Cabo Frio/RJ, foi feito um trabalho de recuperação e manejo da vegetação de restinga no loteamento Orla 500. O objetivo foi restaurar ecossistemas costeiros e de transição, protegendo o aquífero Tamoios e aumentando a resiliência da região frente aos eventos climáticos e à elevação do nível do mar. 

A iniciativa envolveu a participação da comunidade local e do poder público, com ênfase na proteção da água doce e na prevenção da salinização do aquífero. Os principais desafios incluíram o uso adequado do solo, a manutenção da qualidade da água e a restauração dos serviços ecossistêmicos, em meio à transformação urbana da área, que está sofrendo com a perda de ecossistemas costeiros devido à expansão urbana e erosão.

Essas ações ajudam a proteger a linha de costa, aumentar o sequestro de carbono e conservar a biodiversidade marinha, além de mitigar os impactos da elevação do nível do mar e eventos climáticos severos.

Planejamento sustentável

A questão, no entanto, vai além de medidas pontuais. O futuro das cidades litorâneas brasileiras depende de um planejamento urbano estratégico que considere a preservação dos ecossistemas costeiros e antecipe os impactos das mudanças climáticas. Esse planejamento deve priorizar a adaptação às alterações ambientais e garantir a resiliência das cidades frente aos riscos naturais, como a erosão e o aumento do nível do mar. 

A elaboração de estudos de risco, vulnerabilidade e impacto, como apontado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), é uma ferramenta chave nesse processo, pois permite a identificação de áreas críticas e a definição de medidas preventivas e corretivas (PBMC, 2014).

Para que as ações de adaptação sejam eficazes, é necessário um alinhamento entre diferentes esferas de governança, incluindo a gestão municipal, estadual e federal. O planejamento deve ser integrado e envolver a comunidade local, garantindo que as soluções sejam contextualizadas e sustentáveis a longo prazo. 

Além disso, é importante trabalhar na recuperação de áreas já degradadas, estimular construções sustentáveis e adotar práticas que respeitem as dinâmicas naturais da região costeira. A implementação de soluções inovadoras pode ser um grande diferencial para a construção de um futuro mais resiliente e equilibrado nas cidades litorâneas brasileiras.

O OICS

Com o intuito de estimular a sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) atua como uma plataforma de mapeamento e divulgação de soluções inovadoras e sustentáveis para desafios urbanos. 

Em meio a esse propósito, destaca-se o papel dos municípios como protagonistas na aplicação efetiva dessas soluções. O conhecimento aprofundado sobre alternativas para a inclusão da sustentabilidade no planejamento urbano é central para capacitar os gestores municipais a implementarem práticas mais sustentáveis em suas localidades. 

Caracterizadas de acordo com o território brasileiro, por meio de dados biogeofísicos e indicadores temáticos, as soluções e estudos de caso identificados pelo OICS são modelos replicáveis de alternativas sustentáveis para desafios urbanos. São divididas em seis grandes temas: ambiente construído; energia; mobilidade; saneamento ambiental – água; saneamento ambiental – resíduos sólidos e soluções baseadas na natureza. Para visitar a plataforma e conhecer mais sobre nossas soluções e estudos de caso, clique aqui.

Por: Ana Luiza Moraes