Descarbonização no setor de mobilidade: desafios e soluções

26/06/2024


Atualizado em 26/06/2024  |  por Equipe OICS

Em meio aos desafios globais das mudanças climáticas, o Brasil estabeleceu metas ambiciosas para a descarbonização e redução de emissões. Com foco especial no setor de mobilidade, que desempenha um papel crucial nas emissões de carbono, o país direciona seus esforços para enfrentar os impactos ambientais, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostram que o setor de transporte, em 2022, emitiu 209.834.218 toneladas, firmando-se em terceiro lugar no ranking de emissões.

O compromisso do Brasil, anunciado durante a Cúpula da Ambição Climática em 2023, é ampliar suas metas de redução de emissões em 48% até 2025, e 53% até 2030. Vale ressaltar que o sucesso na execução dessas metas não apenas requer ação em nível nacional, mas também uma participação ativa de todas as esferas de governo, desde os municípios. O envolvimento local é fundamental para implementar práticas sustentáveis, promover energias renováveis e desenvolver políticas que abordem diretamente as emissões de gases de efeito estufa.

No contexto da descarbonização, Camila Ludovique, especialista em planejamento estratégico e pesquisadora da COPPE/UFRJ, destaca a importância do papel das energias renováveis. “Por mais que tenhamos equipamentos e avanços na eletrificação, isso, por si só, não é suficiente”, explica. Segundo ela, integrar energias renováveis é importante para atingir metas significativas de redução de emissões.

Principais desafios

Em relação aos principais desafios do setor de mobilidade, a especialista o divide em dois grandes eixos. No primeiro, relacionado ao transporte de passageiros, ela destaca estratégias como a redução de viagens, o incentivo ao home office, e meios de transporte compartilhados. Nesse eixo, Camila menciona diversos avanços tecnológicos, como o uso de bioetanol, biodiesel, além de motores elétricos e, mais recentemente, células de combustível.

No segundo eixo, voltado para o transporte de carga, os desafios são maiores, uma vez que é preciso lidar com grandes volumes. “Com carga, o problema é mais difícil, porque começamos a falar de toneladas”, esclarece Camila. Mesmo com alternativas como o Hidrogênio Verde (H2V), ela destaca os perigos e riscos associados, o que torna o setor de carga uma área mais complexa de encontrar soluções efetivas. “São problemas que deixam o setor de carga quase sem solução”, completa.

Programa “Mover”

Com o programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), assinado por meio de uma Medida Provisória pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, o governo reforça seu compromisso em reduzir as emissões de carbono em 50% até 2030. Essa iniciativa representa um passo fundamental para alinhar o país aos objetivos globais de sustentabilidade e demonstra uma abordagem proativa na transição para uma economia de baixo carbono.

Além de ampliar os requisitos obrigatórios de sustentabilidade para os veículos comercializados no país, o programa implementa incentivos fiscais e tributários, como o IPI Verde, que recompensa práticas mais sustentáveis. Para além, destaca-se a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), gerenciado pelo BNDES, a fim de atrair investimentos estrangeiros e apoiar programas prioritários de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Transporte público

Quanto às recomendações para promover sistemas de transporte mais sustentáveis e eficientes, para a pesquisadora Camila Ludovique, o foco deve ser investir em transporte público de qualidade, como ônibus e miniônibus, uma vez que o maior impacto é causado pelo transporte de passageiros. A especialista também sinaliza que os resultados da ineficiência do transporte público ultrapassam a esfera da sustentabilidade. “O impacto não é só ambiental, mas também social, econômico, e político”, explica.

Ainda, ciclovias e zonas de baixa emissão também auxiliam na promoção de uma mobilidade urbana sustentável. Municípios que investiram em infraestrutura para transporte público, promoveram o uso de veículos elétricos, incentivaram o uso de bicicletas e adotaram políticas de urbanismo integradas têm alcançado resultados positivos.

A NIB

A Nova Indústria Brasil (NIB), apresentada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), estabelece metas para a bioeconomia e descarbonização, enfatizando a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e a redução das emissões de carbono na indústria. Essa política industrial, resultado de amplo diálogo entre o governo e o setor produtivo, visa impulsionar o desenvolvimento nacional com sustentabilidade e inovação até 2033.

Com um financiamento de R$ 300 bilhões até 2026, a política busca reverter a desindustrialização precoce do país, promovendo a neoindustrialização por meio de diversos instrumentos de Estado, como linhas de crédito especiais, recursos não-reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual, além de políticas de obras e compras públicas.

No contexto da bioeconomia e descarbonização, a política busca aumentar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes, além de reduzir em 30% as emissões de carbono na indústria.

E as cidades?

O debate em torno das possíveis soluções para reduzir as emissões no transporte público envolve desde aspectos econômicos, preocupações ambientais até as dinâmicas urbanas de cada município. As autoridades municipais buscam explorar as possíveis alternativas, de modo a equilibrar as demandas crescentes por mobilidade com a urgência de mitigar os impactos ambientais associados ao transporte urbano. Por isso, é necessário que haja um planejamento estratégico e individualizado. Para a especialista, Camila Ludovique, o planejamento estratégico permite, justamente, ponderar as possibilidades, e analisar de forma técnica, econômica e política, o impacto, as vantagens e as desvantagens.

Ao discutir recursos para uma descarbonização bem-sucedida no setor de mobilidade nas cidades brasileiras, a pesquisadora menciona uma solução “polêmica, mas efetiva": a Tarifa Zero para Transporte Público. Essa é uma solução sustentável que envolve a implementação de um sistema no qual os usuários deixam de pagar diretamente pelo transporte coletivo, passando a contribuir indiretamente por taxas ou impostos.

Essa alternativa pode ser alcançada através da criação de um fundo de transporte financiado por impostos, permitindo a tarifa zero, ou de uma empresa pública ou concessão privada, financiada pela remuneração aos prestadores de serviços. Essa solução visa garantir o acesso universal, estimulando a preferência pelo transporte público, reduzindo custos de congestionamento urbano e emissões de gases de efeito estufa.

Experiências de aplicação da Tarifa Zero ainda são consideradas tímidas no contexto brasileiro, mas ganham cada vez mais destaque e apoio na opinião pública, de maneira que algumas cidades já se destacam ao adotar iniciativas similares. Um exemplo recente é a Prefeitura de São Paulo que, em dezembro de 2023, passou a implementar a “Tarifa Zero aos domingos” no transporte público municipal, beneficiando aproximadamente 2,2 milhões de passageiros em 1.175 linhas de ônibus. O "Domingão Tarifa Zero" oferece gratuidade aos usuários, promovendo o acesso a atividades de lazer, parques, eventos culturais e esportivos.

O município de Maricá foi outro exemplo de aplicação dessa solução. Com 143 mil habitantes e 362 km², a cidade enfrentava um monopólio de transporte público urbano por dois grupos de empresas de ônibus, o que resultava em um controle abusivo da tarifa, frequência, oferta de veículos e itinerários lucrativos. Para lidar com esse problema, foi criada a Empresa Pública de Transportes (EPT), uma autarquia pública com autonomia orçamentária, financeira, patrimonial e auto-organizacional, encarregada de organizar e fornecer serviços de transporte público de passageiros em Maricá, RJ. O investimento inicial do município foi de R$ 4,8 milhões, de modo que o custo mensal médio estimado é de R$ 700 mil.

O OICS

Com o intuito de estimular a sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) atua como uma plataforma de mapeamento e divulgação de soluções inovadoras e sustentáveis para problemas urbanos. Em meio a esse propósito, destaca-se o papel dos municípios como protagonistas na aplicação efetiva dessas soluções. O conhecimento aprofundado sobre alternativas para a inclusão da sustentabilidade no planejamento urbano é central para capacitar os gestores municipais a implementarem práticas mais sustentáveis em suas localidades.

Caracterizadas de acordo com o território brasileiro, por meio de dados biogeofísicos e indicadores temáticos, as soluções e estudos de caso identificados pelo OICS são modelos replicáveis de alternativas sustentáveis para desafios urbanos. São divididas em seis grandes temas: ambiente construído; energia; mobilidade; saneamento ambiental – água; saneamento ambiental – resíduos sólidos e soluções baseadas na natureza. Para visitar a plataforma e conhecer mais sobre nossas soluções e estudos de caso, clique aqui.

Por: Ana Luiza Moraes