De gota em gota: acesso à água, desigualdade social e soluções

09/04/2024


Atualizado em 09/04/2024  |  por Equipe OICS

O acesso à água potável é fundamental para garantir a saúde e qualidade de vida nas áreas urbanas. Embora a demanda por água potável seja alta, o tratamento adequado muitas vezes enfrenta grandes obstáculos. Por isso, é importante que tanto os gestores como a sociedade no geral compreendam os desafios e estratégias envolvidas no tratamento de água, a fim de viabilizar um fornecimento confiável e seguro para as comunidades urbanas. Gerenciar a água de forma eficiente nessas áreas é uma questão de extrema relevância, porém complexa.

Realidade brasileira e disparidades

No Brasil, o acesso ao saneamento básico ainda é um desafio significativo, especialmente em municípios socialmente mais vulneráveis. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), quase metade da população brasileira não tem acesso a serviços adequados de esgotamento sanitário. Isso acarreta sérias consequências para a saúde pública e o meio ambiente, contribuindo para a poluição dos ecossistemas aquáticos e aumentando o risco de doenças transmitidas pela água.

O Saneamento básico compreende um conjunto de serviços e infraestruturas que envolvem quatro componentes: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a drenagem urbana e a gestão dos resíduos sólidos urbanos, segundo a Lei Federal nº 11.445/07 no Brasil. Para o engenheiro civil, ambiental e professor da Universidade de Brasília (Unb), Oscar Cordeiro Netto, é essencial estar ciente da importância da relação entre todos esses serviços para discutir o tema.

Para esclarecer melhor a realidade brasileira, o professor da Universidade de Brasília (UnB) e engenheiro civil e ambiental, Oscar Cordeiro Netto, explica que o saneamento básico compreende um conjunto de serviços e infraestruturas que envolvem quatro componentes: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a drenagem urbana e a gestão dos resíduos sólidos urbanos, segundo a Lei Federal nº 11.445/07 no Brasil. Assim, estar ciente da importância da relação entre todos esses serviços é essencial para que seja possível discutir o assunto.

Em comparação a outros países com taxas de desenvolvimento semelhantes ao nosso, o especialista afirma que o Brasil está relativamente atrasado nos níveis de cobertura relacionados à água e ao esgoto. Além disso, ele pontua que, por uma série de razões, existem estados e regiões que são mais bem atendidas que outras. “Brasília, por exemplo, tem bons índices de cobertura, enquanto há casos da região norte, para água e principalmente para esgotamento sanitário, que os índices são bem sofridos”, diz.

O Ranking de Saneamento de 2024, realizado pelo Instituto Trata Brasil (ITB), em parceria com GO Associados, confirma o que o professor expõe: entre os 20 municípios mais bem colocados no Ranking de 2024, doze são da região Sudeste, cinco do Sul e três do Centro-Oeste. Já os 20 piores municípios do Ranking de 2024 são mais distribuídos: sete são da região Norte, seis da região Nordeste, cinco da região Sudeste, um da Centro-Oeste e um da Sul.

Consequências

São diversos efeitos sociais, econômicos e ambientais decorrentes da falta de saneamento básico. Em termos sociais, Oscar Cordeiro Netto destaca os impactos na saúde pública, uma vez que diversas doenças são causadas ou exacerbadas pela ausência de saneamento adequado. Ainda, ele pontua que esses efeitos, muitas vezes, levam a prejuízos econômicos ao governo, em razão do custo pelas internações e tratamentos. Nesse sentido, o professor lembra de um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estima que para cada real investido em saneamento básico, existe um retorno médio de quatro reais.

Em relação aos impactos ambientais, o engenheiro apontou a poluição de rios e valões, bem como a mortandade de peixes e a ausência de vida em áreas urbanas afetadas pela falta de saneamento. “Existem cidades que são verdadeiramente esgotos a céu aberto, que não permitem nenhum tipo de ecossistema”, afirma. Ele também mencionou o desequilíbrio ambiental causado pelo excesso de floração e algas em corpos d'água, citando um caso específico que foi revertido no lago Paranoá, em Brasília.

No aspecto econômico, o especialista ressalta a perda de produtividade do trabalho e a importância econômica da recuperação da qualidade da água para atividades de lazer e recreação, como o turismo em rios, represas e lagos. “Temos vários exemplos que mostram que a recuperação da qualidade da água envolve e acarreta um ganho enorme no que se refere à lazer e recreação, com um grande impacto econômico positivo”, informa. Assim, a falta de acesso ao saneamento básico também pode afetar a atratividade de áreas urbanas para investimentos, uma vez que a infraestrutura precária pode representar riscos para empresas e empreendedores.

Além disso, é importante lembrar que todos os impactos negativos desse problema tendem a afetar mais severamente as populações mais pobres, que frequentemente vivem em áreas vulneráveis e de difícil acesso, onde os serviços demoram mais a chegar.

Obstáculos

Uma das maiores dificuldades enfrentadas na implementação de um saneamento básico no Brasil, para Oscar Cordeiro Netto, é a ausência de recursos para investimentos. “Como os benefícios do saneamento básico repercutem em toda a sociedade de forma importante, é natural que haja o aporte de recursos públicos para financiar essas ações”, explica. Assim, a escassez desses recursos compromete a ampliação da cobertura do saneamento básico.

As 20 piores cidades elencadas pelo Ranking de Saneamento de 2024 tiveram um investimento anual médio no período de 2018 a 2022 de R$ 73,85 por habitante, cerca de 68% abaixo do patamar nacional médio para a universalização. No caso desses municípios, por terem indicadores muito atrasados e distantes da universalização, ter um investimento anual médio por habitante baixo resulta em uma dificuldade muito grande para atingir as metas estabelecidas.

Mesmo assim, o especialista também menciona problemas de natureza técnica, como a dificuldade de acesso para a implementação do sistema de saneamento em certas regiões, e a ineficiência na prestação dos serviços. “Se [essa ineficiência] fosse corrigida e superada, liberaria mais recursos para investimento”, afirma.

Estratégias

Para uma maior cobertura de implementação e eficiência do serviço, para o professor, é preciso haver uma melhoria da governança no setor de água e esgoto, abrangendo também os resíduos sólidos e a drenagem urbana, bem como o aumento dos investimentos em saneamento básico de forma geral. Ele destaca a importância de constituir condições que permitam um maior aporte de recursos para o setor, bem como promover um processo de capacitação dos prestadores de serviços, sejam eles públicos ou privados.

O engenheiro civil e ambiental também declara que há necessidade de uma maior participação da sociedade nos processos de tomada de decisão e no acompanhamento da prestação de serviços. Além disso, destaca a  importância da regulação dos serviços e do empoderamento das agências reguladoras em níveis local e nacional. “A gente tem uma regulação local, que é importante, mas também é preciso buscar uma regulação de referência nacional”, informa.

Essa regulação, de acordo com ele, foi, inclusive, objeto do marco legal do saneamento básico e está sendo implementada pela Agência Nacional de Águas (ANA), que tem desempenhado um papel importante na regulação a nível nacional, contribuindo para o fortalecimento da governança do setor de saneamento básico e na busca por novos recursos, tanto públicos quanto privados.

Um desafio de todos nós

Oscar Cordeiro Netto completa afirmando que o saneamento básico é uma questão ampla e que envolve toda a sociedade, desde o nível individual até o coletivo. “Eu gostaria de ressaltar que é um desafio de todos nós. Envolve desde o indivíduo na sua moradia que, eventualmente, pode ter práticas de reutilização, até bairros e municípios, em várias esferas de ação”, diz. Cada um, nos limites de sua realidade, pode contribuir para a eficiência no uso da água e até mesmo adotar práticas para lidar de maneira mais sustentável com esse recurso, considerando os enormes impactos causados pelo seu uso excessivo.

“O que tem se visto é que a questão do saneamento básico ainda não alcançou o topo da agenda política local, regional, nacional”, comenta. Por isso, é fundamental trabalhar para que a melhoria na cobertura dos serviços de saneamento seja uma preocupação compartilhada por todos.

Soluções

Para reduzir esses efeitos, são necessárias medidas adaptativas, como o desenvolvimento de infraestrutura resiliente, a implementação de práticas de conservação de água e o uso de tecnologias avançadas de tratamento. Diversas soluções inovadoras e sustentáveis têm sido desenvolvidas para o tratamento de água em ambientes urbanos. Métodos convencionais, como filtração e desinfecção, continuam a ser amplamente utilizados, mas tecnologias mais avançadas, como os sistemas de membranas e os processos de oxidação avançada, também têm ganhado destaque pela sua eficácia na remoção de contaminantes.

Uma das soluções propostas é a instalação de micro-estações de tratamento biológico e aproveitamento energético do esgoto. Essas micro-estações coletam esgoto de residências e instalações próximas, e o enviam para um biodigestor, onde ocorre a decomposição da matéria orgânica. O gás metano produzido é capturado e usado para gerar energia, enquanto o líquido pré-tratado passa por filtros com plantas para uma limpeza adicional.

A empresa de águas e esgotos de Petrópolis/RJ, por exemplo, implementou essa solução em dez comunidades locais. O terreno montanhoso da região dificultava a coleta e o transporte do esgoto para estações distantes. Porém, com essa iniciativa, a qualidade das águas aumentou consideravelmente, trazendo benefícios para as comunidades e para as bacias hidrográficas da cidade.

Ainda, os sistemas descentralizados de abastecimento, tratamento e reuso de água representam uma alternativa sustentável e resiliente para o fornecimento de água em pequenas comunidades e áreas onde os sistemas de saneamento público são inadequados. Esses sistemas utilizam soluções compactas que podem ser adaptadas para diferentes cenários, reduzindo os custos ambientais e oferecendo uma alternativa viável para o tratamento e reuso de água.

Por fim, a utilização do Índice de Conformidade ao Enquadramento é outra solução que ajuda na garantia da qualidade da água para diferentes usos. Esse índice facilita a gestão da água, reduzindo o desperdício e os insumos necessários para o tratamento, contribuindo assim para a minimização dos impactos ambientais. O enquadramento das águas em classes adequadas é essencial para assegurar a qualidade necessária para os diversos usos, além de permitir um acompanhamento mais eficaz da situação dos mananciais.

O OICS

Com o intuito de estimular a sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) atua como uma plataforma de mapeamento e divulgação de soluções inovadoras e sustentáveis para desafios urbanos. Em meio a esse propósito, destaca-se o papel dos municípios como protagonistas na aplicação efetiva dessas soluções. O conhecimento aprofundado sobre alternativas para a inclusão da sustentabilidade no planejamento urbano é central para capacitar os gestores municipais a implementarem práticas mais sustentáveis em suas localidades.

Caracterizadas de acordo com o território brasileiro, por meio de dados biogeofísicos e indicadores temáticos, as soluções e estudos de caso identificados pelo OICS são modelos replicáveis de alternativas sustentáveis para desafios urbanos. São divididas em seis grandes temas: ambiente construído; energia; mobilidade; saneamento ambiental – água; saneamento ambiental – resíduos sólidos e soluções baseadas na natureza. Para visitar a plataforma e conhecer mais sobre nossas soluções e estudos de caso, clique aqui.