Entre alagamentos e queimadas: o impacto das mudanças climáticas no Brasil

04/10/2024


Atualizado em 04/10/2024  |  por Equipe OICS

Por um lado, alagamentos devastadores que arrasam casas e causam tragédias. Por outro, queimadas que encobrem o céu com uma espessa fumaça. Estes são os dois lados da moeda das mudanças climáticas no Brasil, um país que enfrenta extremos climáticos de forma cada vez mais pronunciada. Em 2024, o Brasil vive um momento crítico, com a pior seca da história e um aumento alarmante nas queimadas, enquanto o sul do país ainda se recupera dos desastres de alagamentos do início do ano.

Incêndios florestais e dados que assustam

Em 2024, o Brasil se aproxima da marca de 160 mil focos de incêndio, um aumento de 104% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa e Espaciais (INPE). Aproximadamente 30 mil focos de incêndio foram registrados desde o início de setembro. Mais de 5 milhões e 700 mil hectares foram queimados apenas nos primeiros sete meses do ano, representando um crescimento de 92% comparado a 2023. 

Atualmente, cerca de 60% do território brasileiro está coberto por fumaça proveniente de incêndios florestais, resultado de um número recorde de queimadas, principalmente na Amazônia. Os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso são os mais afetados. Além disso, a fumaça já está impactando a qualidade do ar em várias regiões, incluindo São Paulo, que se destacou como uma das cidades com a pior qualidade do ar do mundo.

Em Mato Grosso, por exemplo, o número de focos saltou de 1.400 em 2023 para quase 10.700 em 2024, um aumento de 646%. No Pará, o crescimento foi de 415%, passando de 1.200 para 6.200 focos de incêndio. A seca prolongada contribui para a gravidade da situação, com incêndios consumindo vastas áreas de vegetação nativa, como no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde 10 mil hectares de cerrado foram devastados.

Meteorologistas alertam que a fuligem pode se espalhar ainda mais, atingindo até as capitais da Argentina e do Uruguai. O INPE destaca que a fumaça está se movendo também para áreas do interior de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul, aumentando os riscos de incêndios e complicações na saúde pública.

A agropecuária e sistemas alimentares

Mas nem todos os desastres têm origem completamente natural, e sabemos que a mão humana pode intensificar em nível e grau a destruição causada - é o que estamos vendo com os incêndios florestais em foco. Mais de 80% das queimadas em São Paulo ocorreram em áreas de uso agropecuário, conforme um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A análise, divulgada em 27 de agosto de 2024, revelou que 81,29% dos 2,6 mil focos de calor registrados entre os dias 22 e 24 de agosto estavam concentrados em tais áreas.

Além disso, os sistemas alimentares no Brasil são responsáveis por 73,7% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), totalizando aproximadamente 1,8 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) em 2021. Este dado foi revelado em um estudo do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), publicado pelo Observatório do Clima.

De acordo com o estudo de 2023, do MapBiomas, a agropecuária foi responsável por mais de 97% do desmatamento da vegetação nativa do nosso país, usando fogo ilegalmente para abrir pastos e expandir plantações de soja e milho, monoculturas usadas para ração animal. Além disso, os dados mostram que  37 mil hectares desmatados pela atividade garimpeira e mais 4,3 mil hectares pela implementação de parques eólicos e solares.

Impactos regionais das mudanças climáticas

Desde 1850, a temperatura média global tem subido, especialmente nas últimas duas décadas, que foram as mais quentes dos últimos mil anos, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O Brasil, como o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, contribui significativamente para esse problema, principalmente devido ao desmatamento, agropecuária e uso de combustíveis fósseis.

As mudanças climáticas, impulsionadas principalmente pelas emissões de gases de efeito estufa, têm impactos profundos em diversos aspectos do nosso ambiente. E os seus reflexos afetam diferentes regiões do país de maneiras distintas. Thaís Leonel, advogada e especialista em Direito Ambiental com ênfase em Mudanças Climáticas, destaca como as mudanças climáticas estão exacerbando as condições adversas em diferentes regiões do Brasil. 

"Secas prolongadas no Nordeste aumentam a vulnerabilidade das comunidades, exacerbando a pobreza e a desigualdade social. Ao mesmo tempo, o aumento das temperaturas e a mudança nos padrões de precipitação em outras regiões contribuem para o aumento da frequência e intensidade dos incêndios florestais."

A especialista afirma que a vulnerabilidade de uma região às mudanças climáticas é determinada por uma combinação de fatores ambientais, socioeconômicos e políticos. As características geográficas, o nível de desenvolvimento e a capacidade de governança influenciam a capacidade de uma região de se adaptar e responder aos impactos climáticos. No caso das queimadas, a combinação de seca e altas temperaturas cria um cenário perfeito para incêndios florestais, enquanto o aumento das chuvas intensas no sul leva a desastres de alagamento.

A resposta às mudanças climáticas exige políticas públicas ajustadas às necessidades específicas de cada região. É fundamental que as estratégias de mitigação e adaptação considerem as particularidades ambientais e socioeconômicas locais. "Políticas públicas devem ser baseadas em dados científicos e processos participativos para serem eficazes e sustentáveis," afirma Thaís Leonel. 

O papel das Soluções Baseadas na Natureza

Para lidar com os desafios extremos apresentados pela realidade das mudanças climáticas, como alagamentos e queimadas, as abordagens convencionais já não são mais suficientes. As Soluções Baseadas na Natureza (SbN) são estratégias que utilizam processos naturais para resolver problemas humanos, promovendo a conservação da biodiversidade e o bem-estar das comunidades. Ao invés de se manter na lógica da infraestrutura tradicional, as SbN trabalham com a natureza para alcançar os mesmos objetivos de maneira mais sustentável.

Mariana Nicolleti, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, afirma que não é possível reduzir as emissões necessárias e lidar com a transição para uma economia de baixo carbono sem a implementação de SbN. E sublinha a importância de integrar as SbN no planejamento urbano e nas políticas públicas. 

"As SbN não devem ser vistas apenas como inovações ou soluções periféricas. Elas precisam ser incorporadas desde o início dos planejamentos, como opções primárias e não apenas alternativas. Isso envolve reconhecer o valor dos serviços ecossistêmicos que a natureza oferece e garantir que esses benefícios sejam claramente comunicados a investidores e formuladores de políticas", afirma. 

A implementação das SbN exige uma adaptação transformativa que reconsidere como usamos os recursos naturais e como projetamos nossas cidades e infraestruturas. Nicolleti aponta que a valoração dos serviços ecossistêmicos é essencial para atrair investimentos e garantir que as SbN sejam uma parte central da resposta às mudanças climáticas. "Precisamos passar do discurso para a prática, reconhecendo e ampliando as iniciativas já em andamento e escalando essas soluções para enfrentar de maneira eficaz os desafios climáticos".

Plano de prevenção, monitoramento e controle de queimadas em áreas urbanas e periurbanas

Com o aumento da frequência das queimadas, especialmente em períodos de seca prolongada, medidas proativas para proteger a saúde pública e o meio ambiente são urgentes. Além de afetar a qualidade do ar e do solo, as queimadas prejudicam a biodiversidade e poluem os recursos hídricos. Esse plano busca abordar a raiz do problema, com a implementação de práticas que visam evitar e controlar essas ocorrências.

O plano envolve um conjunto de ações estratégicas que começam com o mapeamento das áreas mais vulneráveis às queimadas, como terrenos desocupados e áreas com vegetação desordenada. A notificação e a possível multa para proprietários que não mantêm suas áreas adequadas são medidas que ajudam a garantir a execução das práticas de prevenção. 

O monitoramento contínuo é realizado por meio de fiscalização periódica e o uso de tecnologias avançadas, como drones e equipamentos de vigilância, que permitem identificar e reagir rapidamente a focos de queimadas. A instalação de sistemas de gotejamento e aceiros são técnicas adicionais que ajudam a controlar e prevenir a propagação do fogo.

O Distrito Federal, por exemplo, implementou o Plano de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PPCIF), que envolve a colaboração de 17 instituições, como o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros. O papel do PPCIF é proteger as unidades de conservação e as áreas de proteção de mananciais do DF, promover a articulação das ações de prevenção, controle e monitoramento, e assegurar que as queimas realizadas estejam alinhadas com objetivos de manejo conservacionista. 

O OICS

Com o intuito de estimular a sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) atua como uma plataforma de mapeamento e divulgação de soluções inovadoras e sustentáveis para desafios urbanos. Em meio a esse propósito, destaca-se o papel dos municípios como protagonistas na aplicação efetiva dessas soluções. O conhecimento aprofundado sobre alternativas para a inclusão da sustentabilidade no planejamento urbano é central para capacitar os gestores municipais a implementarem práticas mais sustentáveis em suas localidades. 

Caracterizadas de acordo com o território brasileiro, por meio de dados biogeofísicos e indicadores temáticos, as soluções e estudos de caso identificados pelo OICS são modelos replicáveis de alternativas sustentáveis para desafios urbanos. São divididas em seis grandes temas: ambiente construído; energia; mobilidade; saneamento ambiental – água; saneamento ambiental – resíduos sólidos e soluções baseadas na natureza. Para visitar a plataforma e conhecer mais sobre nossas soluções e estudos de caso, clique aqui.

Por: Ana Luiza Moraes