Folia sustentável: o carnaval e a gestão de resíduos sólidos nas cidades

13/03/2024


Atualizado em 13/03/2024  |  por Equipe OICS

Durante a farra do Carnaval, é comum que as ruas das cidades fiquem sujas com diversas latinhas de cerveja espalhadas, embalagens, restos de comida, confetes e serpentinas por toda parte. E depois do fim das celebrações, toda a sujeira gerada pela folia nos leva a refletir sobre um importante desafio urbano: a geração e gestão de resíduos sólidos urbanos. Diante de um desafio tão grande, com tantos efeitos sociais, ambientais e econômicos, o período de festejo mais enraizado na cultura brasileira abre alas para essa importante discussão, incluindo no planejamento das festas e celebrações alguns elementos inovadores e sustentáveis de limpeza urbana e gestão de resíduos sólidos.

Há muitos aspectos que ainda precisam ser melhorados, e muitas pessoas não demonstram qualquer interesse na questão ambiental. Mesmo assim, é importante reconhecer os avanços das cidades brasileiras com o tempo. O Carnaval de 2024 registrou uma boa redução na quantidade de resíduos coletados em comparação com os anos anteriores. Em alguns municípios, como Ubatuba/MG, Porto Alegre/RS, Marabá/PA e Olinda/PE, o serviço de limpeza local promoveu o “bloco da limpeza”, que incentivou a participação da comunidade na manutenção da ordem e limpeza das ruas durante as festividades.

Em Brasília, por exemplo, a folia foi considerada “a mais limpa da história”, pois teve a menor quantidade de resíduos recolhidos pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU) nos blocos da capital. Foram recolhidas cerca de 19,9 toneladas de resíduos entre os dias 3 e 14 de fevereiro, em comparação às 26 toneladas coletadas em 2023. Essa evolução reflete não só a eficiência das equipes de limpeza, mas também a participação de quem estava curtindo a festa.

Para promover um ambiente mais limpo e sustentável no espaço urbano, a ideia é trabalhar tanto com a prevenção quanto com a recuperação. A prevenção pode ser alcançada por meio de programas de conscientização, como a distribuição de papa-recicláveis e campanhas educativas. Já a recuperação, com a mobilização de equipes de limpeza equipadas com tecnologias avançadas para recolher e separar resíduos de forma eficiente.

Como forma de incentivar a limpeza nos bloquinhos, o SLU criou a campanha “Folia Limpa”, que premia, anualmente, os dez blocos mais limpos de Brasília. A premiação de 2024, cujo tema é “Sem sujeira a folia fica mais legal”, será realizada nesta sexta-feira, dia 1º de março, às 10h, no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul. Fora isso, a distribuição de 40 papa-recicláveis adesivados, o aumento do número de garis e até um jingle de sustentabilidade feito pelo SLU demonstraram a preocupação atual com a preservação do ambiente e reforçaram a necessidade de cuidar do nosso espaço durante grandes eventos.

Mesmo que o mundo ideal ainda esteja longe de ser alcançado, ver os resultados de pequenas ações como essas deixam claro que a parceria entre a população e os gestores locais é a chave para o sucesso das iniciativas de limpeza urbana sustentável. Com uma comunidade que se envolve ativamente e utiliza os recursos de forma consciente, e com autoridades municipais que fornecem a infraestrutura adequada e incentivam a inovação, a meta de construir cidades mais limpas e saudáveis fica um pouco mais perto da nossa realidade.

Resíduos sólidos e legislação

O advogado João Paulo Pessoa, do Toledo Marchetti Advogados, afirma que as pequenas cidades sofrem mais com o excesso de resíduos devido à sua falta de estrutura, que impossibilita a prestação dos serviços de limpeza. Nesses casos, o especialista em direito público e infraestrutura acredita que a legislação poderia facilitar a integração entre esses municípios, para que pudessem se organizar em conjunto. “No setor de resíduos, é comum a organização dos municípios por meio de consórcios públicos, mas ainda parece haver espaço para aperfeiçoamento no que diz respeito à governança dos consórcios”, informa.

As principais medidas legais relacionadas à gestão de resíduos sólidos são a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) e o Novo Marco Legal do Saneamento (lei 14.026/20). Este último, segundo o advogado, traz uma maior segurança jurídica ao setor, pois estabelece que as entidades têm a obrigação de criar uma estrutura que permita a cobrança pelos serviços que oferecem. “A cobrança é que garantirá a viabilidade do desenvolvimento dos serviços, como os investimentos necessários”, explica.

Para Ana Claudia Franco, especialista em direito ambiental no Toledo Marchetti Advogados, a PNRS já tem tudo que é preciso no papel para lidar com essas questões, uma vez que prevê: a não geração e a redução dos resíduos sólidos (art. 7º, inciso II), a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (art. 3º, inciso XVII), e a obrigatoriedade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, de estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos (art. 33, inciso VI).

Além das leis existentes, “que, por certo, contribui com os objetivos de redução na geração desse tipo de resíduos”, a advogada cita alguns projetos de lei interessantes: o PL 2238/2021 na Câmara, que planeja criar a Semana Nacional de Conscientização sobre Resíduos Eletroeletrônicos, para falar sobre a redução no uso e o descarte correto desses produtos; o PL 587/2022 na Câmara, que institui a "Política Federal TI Verde", a fim de incentivar a reutilização e reciclagem de computadores velhos dos órgãos públicos; e o PLS 1874/2022 no Senado, que idealiza a "Política Nacional de Economia Circular", para, de maneira geral, incentivar novos modelos de negócios que não gerem tantos resíduos.

Soluções e estudos de caso

Uma gestão eficiente de resíduos é necessária para promover a sustentabilidade ambiental e contribuir para aspectos de saúde e qualidade de vida nas áreas urbanas. Por isso, diversas soluções inovadoras têm ganhado espaço para enfrentar desafios relacionados à coleta, tratamento e destinação final dos resíduos. Os resultados vão além da preservação do meio ambiente, mas também envolvem a geração de emprego e renda. 

Falar de resíduos é, inclusive, essencialmente falar de renda, uma vez que consideramos o seu impacto socioeconômico e as oportunidades que podem surgir a partir de uma gestão sustentável. Especialmente em um país como o Brasil, onde o desafio da gestão de resíduos muitas vezes se entrelaça com questões de desigualdade e pobreza, abordar esse problema vai além da preservação ambiental. A cadeia produtiva da reciclagem e do tratamento de resíduos envolve diversos setores da economia, contribuindo para a geração de empregos diretos e indiretos.  

Uma das soluções mais simples e promissoras é a implementação de Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de resíduos sólidos. Esses pontos são localizados em espaços específicos e possibilitam o descarte de diferentes tipos de resíduos, de recicláveis até peças de construção civil. Esse tipo de estratégia facilita o descarte adequado dos materiais, contribui para a conscientização ambiental e para a redução da poluição, e fortalece a economia local.

O Programa So+ma Vantagens, por exemplo, é um programa de fidelidade que promove a instalação de estações de reciclagem que aceitam uma variedade de resíduos, desde papel, plástico e alumínio até eletrodomésticos e óleo de cozinha. O diferencial do programa é o foco em áreas de baixa renda, o que ajuda a gerar oportunidades às comunidades mais vulneráveis, além de operar em parceria com cooperativas de catadores, que gerenciam as estações e garantem a separação e destinação adequada dos materiais recicláveis.

Outra solução inovadora é a coleta e tratamento de resíduos sólidos por cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Os catadores, geralmente, trabalham em condições precárias, seja em cooperativas, associações ou até por conta própria.  Por outro lado, o trabalho de catadores e catadoras historicamente no Brasil se demonstra um importante serviço ambiental, atuando na coleta e tratamento de resíduos, com o aumento de taxas de reciclagem e redução de custos municipais, sem contar com os ganhos de inclusão social e econômica para a classe de catadores no Brasil.  

Um exemplo bem-sucedido de institucionalização de cooperativas para o serviço de gestão de resíduos na cidade é a experiência da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul, composta por 38 pessoas, que está na ativa desde 1994. Depois de terem fechado um contrato com a prefeitura local para cuidar da limpeza urbana, a cooperativa se tornou modelo de atuação na prestação de serviços neste setor. Com o tempo, diversificaram suas atividades com máquinas para lavagem e corte de embalagens, depois vendendo o material para empresas recicladoras.

Apesar dos avanços dessas ideias inovadoras, ainda temos obstáculos como a falta de infraestrutura, de políticas públicas e de consciência ambiental e social. Por isso, para uma gestão de resíduos urbanos eficaz, é importante que o governo, as empresas e a sociedade civil trabalhem em conjunto para colocar na prática soluções integradas e sustentáveis como essas.

O OICS

Com o intuito de estimular a sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (OICS) atua como uma plataforma de mapeamento e divulgação de soluções inovadoras e sustentáveis para problemas urbanos. Em meio a esse propósito, destaca-se o papel dos municípios como protagonistas na aplicação efetiva dessas soluções. O conhecimento aprofundado sobre alternativas para a inclusão da sustentabilidade no planejamento urbano é central para capacitar os gestores municipais a implementarem práticas mais sustentáveis em suas localidades.

Caracterizadas de acordo com o território brasileiro, por meio de dados biogeofísicos e indicadores temáticos, as soluções e estudos de caso identificados pelo OICS são modelos replicáveis de alternativas sustentáveis para desafios urbanos. São divididas em seis grandes temas: ambiente construído; energia; mobilidade; saneamento ambiental – água; saneamento ambiental – resíduos sólidos e soluções baseadas na natureza. Para visitar a plataforma e conhecer mais sobre nossas soluções e estudos de caso, clique aqui.